Vão - Projeção de filmes no lençol

vão,
na próxima sexta-feira, 14 de setembro, 18h30, realizaremos mais uma sessão do projeto vão – filmes projetados no lençol no corredor do cemuni 2.
esta sessão, impactada com o incêndio que na noite de 2 de setembro de 2018 destruiu o Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, propõe um pesar e uma reflexão sobre destruição e memória.
a palavra kumbukumbu, que nomeou uma das exposições de etnologia que estava em exibição no Museu Nacional, com objetos do acervo que atravessam a história africana parece sinalizar dramaticamente a perda que vivemos: na língua swahili, diz o texto institucional, kumbukumbu refere-se a objetos, pessoas ou acontecimentos que nos fazem pensar sobre o passado e nos alertam sobre a dimensão do passado que abre caminho para o futuro.

Programa de filmes:
Francis Alys, Reel/Unreel, 2011
Marcel Broodthaers, La Pluie, 1969
Pipilotti Rist, Ever is Over All, 1997
Gordon Matta-Clark, Fresh Kill, 1972
Patrick Jolley, Fall, 2008
Partrick Jolley, Burn, 2002
Domenic Angerame, Line of fire, 1997
Pedro Costa, Trecho de Juventude em marcha, 2006
Chris Marker e Alain Resnais, Les statues meurent aussi, 1953

vão é um projeto de extensão, vinculado ao grupo de pesquisa place: plano conjunto de espacialidades, desenvolvido pelas professoras aline dias, gisele ribeiro e raquel garbelotti e pelas estudantes amanda amaral, barbara thomaz, natalia farias e yurie yaginuma.

 

 

um longo poema a partir de fragmentos de notícias de jornal (sinopse-não-sinopse): 

 

Na noite
de 2 de setembro de 2018,
um incêndio
queimou
o Museu Nacional.

As chamas deixaram rachaduras,
a cobertura desabou
e as lajes internas caíram.
Na segunda-feira,
20 mil pessoas no centro da cidade do Rio de Janeiro
lamentaram as perdas e protestaram contra o crescente descaso
de um governo ilegítimo com a educação e a cultura.

Em fevereiro, uma escola de samba
fez carros alegóricos e fantasias
em homenagem aos 200 anos do museu.

Em 12 horas de fogo,
a cabeça de uma mulher
Luzia
fóssil humano mais antigo das Américas
foi queimada.
Não havia água nos hidrantes.
O crânio sobreviveu mais de 11 mil anos,
descoberto em 1970
e destruído no incêndio
de domingo 2 de setembro de 2018.

O que restava desta mulher
queimou junto a 20 milhões de objetos
coletados e estudados por homens e mulheres
produzidos por homens e mulheres
de lugares e tempos passados.

Ao longo de duzentos anos
mais de vinte milhões de itens foram guardados
e catalogados
e na noite de 2 setembro
no museu,
queimou-se
a coleção de etnologia de vários povos indígenas desaparecidos,
fósseis de plantas extintas, de borboletas e insetos,
livros e de objetos de povos africanos, egípcios, etruscos,
o esqueleto de 13 metros de comprimento de um dinossauro
e o maior acervo de meteoritos da América Latina.

A cada 20 minutos ou meia hora,
chegava um caminhão pipa com água.
No escuro, durante toda a noite
chamas imensas,
desabamentos
e o contorno apocalíptico
de um cenário devastador
não há nada que se possa fazer
nada que amenize
O Brasil é um país onde governar é criar desertos
diz o antropólogo,
desertos naturais de cerrado e florestas devastados
no espaço,
e desertos no tempo.
Os testemunhos materiais queimados,
o descaso e os cortes nos orçamentos da cultura e da educação
constituem um projeto de devastação,
de criação de desertos,
no espaço e no tempo.
A destruição deste museu,
a instituição científica mais antiga do Brasil
o 5° maior museu em acervo do mundo
é um deserto no tempo,
destruída a memória e a possibilidade de narrar.

Os resquícios de arquivos destruídos
foram vistos a quase um quilômetro de distância do museu,
perto do maracanã, que recebeu 1 bilhão de reais nos anos passados.

Em 12 horas o museu queimou.
Com pesar,
professores, estudantes e funcionários fizeram vigília.
O jornalista narra as expressões de sofrimento de quem tinha em mente exatamente o que estava sendo consumido.
A pouca água que jorrava da mangueira
de um caminhão dos bombeiros
era um fio inofensivo.
Eram poucos caminhões,
poucos bombeiros,
poucos recursos
diante de uma catástrofe gigantesca.
Queimaram-se teses,
instrumentos musicais, cocares,
plantas raras coletadas há 200 anos,
cabeças esculpidas pelo povo mundurucu.

O Museu Nacional tinha fila para visitação nos fins de semana,
quase metade do seu público era de baixa renda. 
Em 2018, apenas 54 mil reais enviados pelo poder público. 
Um ministro do Supremo Tribunal de Federal
embolsa por ano mais do que o Museu Nacional
pleiteava para a sua manutenção:
cada salário de 33 mil e 700 reais mensais
custa cerca de R$ 400 mil anuais
sem o reajuste aprovado de 16%
com impacto de 8 bilhões de reais
o dobro do orçamento anual de bolsas de pesquisa da Capes.

Os gastos públicos estão congelados por 20 anos
e na noite de 2 de setembro de 2018
queimou dentro do Museu
o sarcófago de Sha Amum Em Su,
um dos únicos no mundo que nunca foram abertos;
queimou-se o acervo de botânica Bertha Lutz;
o trono do rei Adandozan, do reino africano de Daomé, datado do século XVIII;
o prédio onde foi assinada a independência do Brasil,
o documento de assinatura da lei áurea;
o pergaminho datado do século XI com manuscritos em grego sobre os quatro Evangelhos; 
queimou-se a Bíblia de Mogúncia, de 1462, primeira obra impressa a conter informações como data, lugar de impressão e os nomes dos impressores;
a crônica de Nuremberg, de 1493, considerado o livro mais ilustrado do século XV;
a primeira edição de "Os Lusíadas", de 1572;
queimou-se o exemplar completo da famosa Encyclopédie Française, uma das obras de referência para a Revolução Francesa;
o primeiro jornal impresso do mundo, datado de 1601.

Em 1978, um incêndio no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,
em 2015, um incêndio no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo,
e na Cinemateca Brasileira, incêndios, no plural, em 1957, 1969, 1982 e 2016.
Foram gastos 215 milhões de reais no Museu do Amanhã.

o que fazer perante um museu queimado?
pergunta a jornalista portuguesa ao antropólogo
A minha vontade, diz o antropólogo, com a raiva que todos estamos sentindo, é deixar aquela ruína como memento mori, como memória dos mortos, das coisas mortas, dos povos mortos, dos arquivos mortos, destruídos nesse incêndio.
Não construir nada naquele lugar,
não esconder,
não apagar,
permanecer em cinzas, em ruínas,
apenas com a fachada de pé,
para que todos vissem e se lembrassem.

Um memorial:
para um país que padece de
amnésia voluntária profunda.
Talvez era melhor se tivéssemos continuado o legado
dos museus da memória dos
baobás —
De baixo das árvores, estivessem, assim, mais seguras as histórias. 

O incêndio, diz a jornalista brasileira, é parte da engrenagem de destruição do país da qual somos, simultaneamente, ferramentas e operadores (in)voluntários.
O Museu sobrevivia numa atmosfera de deterioração, 
presságio de iminente colapso.

Um epistemicídio anunciado,
que caminha ao lado
do genocídio em curso
dos povos indígenas, 
da população jovem negra.
Um projeto de país que se funda na destruição, 

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